Amar é um arte, não um negócio: como as redes sociais banalizaram o amor
Você não sabe amar.
“Estava pensando em você — disse ela após um silêncio. — É tão bondoso... Seria preciso que o meu coração fosse de pedra para que eu não sentisse isto. Sabe o que pensei? Pus-me a compará-los, aos dois. Por que é que ele não há de ser... você? Por que não será ele como você? Ele vale muito menos e no entanto eu gosto mais dele do que de você.” - Noites Brancas, Fiódor Dostoiévski.
O amor é complicado. Ele consegue trazer esperança para continuar ao tempo que pode trazer angústias. Há quem discorde, um ensinamento religioso diz que no amor não há medo. Porém, na vida real é mais difícil se relacionar. Os sentimentos confusos e as crenças mal-adaptativas interferem, fazendo-nos acreditar que o amor não é para nós. Como se todos tivessem uma “alma gêmea”, menos você. Seria tudo mais fácil se um relacionamento conjugal se resumisse a uma saída sexta-feira a noite. Você não precisaria se preocupar com a fidelidade do parceiro, nem com a divisão de tarefas domésticas. Sua única responsabilidade seria: amar assiduamente.
Nem tudo são flores, agora você está lendo essa newsletter. Seja um solteiro ou comprometido, não há como negar que as redes sociais mudaram nossa concepção do ato de amar. Basta reparar na quantidade de reels no instagram que falam sobre o assunto. Um vídeo de um rapaz presenteando a namorada, outro mostrando a rotina de um casal passeando na praia, outro dizendo que a vida solteira é mais valiosa, outro dizendo que não vale a pena namorar na geração atual. No fim, todos estão dizendo a mesma coisa: eu quero entender o que é o amor.
A raça humana é curiosa e odeia ficar sem respostas. Se não sabemos perfeitamente o que é o amor, podemos - pelo menos - entender o que atrapalha o ato de amar.
Relacionamentos Superficiais
O amor virou um produto. Amo esse slogan porque é verdadeiro. Todas as pessoas vendem um “tipo de amor”. O amor conservador onde a mulher cuida do lar enquanto o marido provê. O amor liberal onde há uma quebra do anterior, não existindo muitas regras. O amor não-exclusivo onde os parceiros podem se relacionar com terceiros. Não estou dizendo quem é o certo ou errado, apenas que os relacionamentos amorosos se tornaram checklists. Se você não se encaixa em algum, você está “amando errado”. Como se a sua vida fosse restrita a viver padrões de outras pessoas.
A consequência disso é clara: a morte da criatividade.
O amor não vive sem criatividade. Engraçado ver uma relação entre as duas, mas o ato de amar exige criatividade. Todo dia você busca sua namorada no trabalho, porém, em determinado dia você leva uma caixa de chocolate para ela. Pronto, ela vai se sentir honradíssima com seu gesto. Interessante que você fez a mesma coisa: buscá-la de um local para levá-la a outro. Contudo, um simples gesto adicional mudou positivamente o humor dela. Um ato criativo de carinho gerou alegria em quem você ama.
Por isso, amar é um ato de criar. Na verdade, o ato de amar deveria ser considerado arte em um mundo submerso na monotonia.
Saindo da área filosófica, há uma explicação para isso. O ser humano é suscetível a novas experiências. O cérebro humano adora uma novidade. Há uma área denominada núcleo accumbens, relacionada ao sistema de recompensa. No momento que algo novo acontece, o cérebro libera o neurotransmissor dopamina, que nos faz sentir motivados ou satisfeitos. Essa relação faz o ser humano buscar mais experiências novas. Por isso, se você todo mês compra chocolate para sua amada e, repentinamente, para de fazer isso. Ela vai estranhar e irá perguntar se está tudo bem no relacionamento entre vocês. A melhor forma para lidar com isso é tendo equilíbrio. Não leve flores todos os dias, também não fique sem levar. Mantenha o sistema de recompensa equilibrado.
As relações se tornaram isso. As redes sociais corromperam as pessoas. O sistema de recompensa delas está instável. Homens que querem mulheres sem celulite. Mulheres que querem homens com o maxilar perfeito. Quando, na verdade, ambos só precisam de alguém para tomar um café da manhã. Alguém para ir no cinema em uma tarde de sábado.
O amor deixou de ser uma arte e virou um negócio.
Comparação constante
Esses dias vi um reels de um casal apaixonado, onde os dois mostravam a rotina. Todas as atividades eram feitas em conjunto, como treinar na academia, estudar para faculdade ou almoçar. Ao abrir os comentários da postagem, percebi uma série de comentários:
“Ridículo” *depois posta uma figurinha chorando
“Sem graça” *outra figurinha aos prantos
Todos sabemos que é apenas um meme. O intuito dos comentários é mostrar como as pessoas se emocionam ao presenciar um ato de amor. Contudo, tenha certeza que muitas pessoas que viram o conteúdo se sentiram mal. Isso se deve porque o ser humano é uma máquina de fazer comparações. Nós comparamos desde qual bebida está mais barata no mercado até a nossa aparência.
A psicologia mostra - através de diversos estudos conduzidos por cientista - que há três estratégias utilizadas por pessoas para lidar com o estresse:
(-) Reavaliação positiva → processo onde o indivíduo foca em coisas boas na situação atual. Resumindo, enxergar o lado bom mesmo em coisas ruins.
Exemplo, sua mãe teve um infarto e você decide cuidar das tarefas domésticas de casa. Você internaliza um pensamento: “pelo lado bom, eu vou aprender a me desenvolver com essas tarefas”
(-) Comparações descendentes → comparar você a pessoas em situações piores.
Exemplo, toda vez que você reclamava de algum comida, sua mãe dizia que as crianças que passam fome não tem o que comer, elas dariam tudo para ter o que você tem.
(-) Criação de eventos positivos → atribuir significado positivo a eventos comuns
Exemplo, você vai ter que fazer fisioterapia por conta de um problema na lombar. Você olha para as tarefas e internaliza que aquilo será uma excelente oportunidade para socializar e se desenvolver.
Qualquer uma dessas estratégias tem o mesmo objetivo: reduzir o estresse. Quando nos comparamos, estamos tentando resolver algum problema ou reduzir o estresse. O grande tendão de aquiles da questão é: o efeito geralmente é o oposto, você fica mais estressado. Consequentemente, você tende a tomar piores decisões sob estresse ou, pior ainda, sofre por antecipação.
O estresse é considerado o mal do século a ser estudado. O que sabe sobre o estresse:
O estresse enfraquece o sistema imunológico
Pode aumentar os níveis de ansiedade
Aumenta a probabilidade de consumir substâncias (álcool, tabaco e outras)
Problemas cardiovasculares
Isolamento social
Depressão
Apesar do estresse ser necessário em um grau controlado, deve-se tomar cuidado com o estresse crônico: aquele que perdura durante muito tempo. Caso sofra desse problema, procure um psicólogo com urgência.
Conclusão)
Nesse exato momento tem alguém chorando pelo término. Por outro lado, há outra pessoa infeliz porque não consegue arranjar uma alma gêmea. Todas as pessoas vivenciam o amor de alguma forma. Alguns tem experiências melhores, outros, piores. A vida é complexa desse jeitinho mesmo. Ao meu ver, não vale a pena o risco de ter um relacionamento com as características que citei nessa newsletter. Se for para ter um amor, então que seja para trazer paz - pois problema você tem demais. Acima de tudo, não se desfaça dos seus planos por outra pessoa, a não ser que seja muito especial. Não se limite por causa de um relacionamento amoroso, pois isso é muito perigoso.
A grande habilidade que você precisa desenvolver para a vida é: a capacidade de ressignificar os eventos.
Seu namoro não deu certo? Não significa que você não merece ser amada.
Você foi traído? Não significa que ninguém pode ser fiel a você.
Você acha que está “velho(a)” para encontrar um amor? Não há idade certa para encontrar o que é certo.
No fim, há uma anedota sobre lagarta e borboleta:
Certo dia, uma lagarta sonhava enquanto olhava para as borboletas que sobrevoavam o céu azul, ela dizia que um dia voaria igual as borboletas. Os outros insetos riram, pois acreditavam ser impossível. A lagarta se entristeceu, porém não desistiu. No seu coração havia um fiapo de esperança. Meses depois, após acordar, a lagarta sentiu algo diferente. Uma sensação estranha. Ao olhar pro lado, ela notou asas. Então, sua ficha caiu. A lagarta virou borboleta. Ela, todavia, não passou para “provocar” os outros insetos, pois seu sonho já tinha se realizado.
Moral da história: quando seu sonho realizar, você não vai precisar voltar ao lugar que te machucou. A sua vida tem muito valor para ser gastada com qualquer um.
Insta: @daniel.aquila_
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Que texto delicado!
Acredito que o mal da geração seja sim a comparação excessiva e também essa crença inconsciente (que só aumenta com a rolagem frenética dos vídeos curtos) de que somos a agulha fora do palito fadada a não conseguir algo “tão bom” quanto o outro.
A história da lagarta é linda, consigo lembrar de momentos que disseram que eu não conseguiria algo e quando eu alcancei não lembrava de nada além do momento presente… pois a realização do sonho é muito maior do que a iminência de provar algo :)
meo Deus que texto perfeito, muitas pessoas desistem de seus sonhos e se rebaixam quando estão em relacionamentos e não veem que é algo tóxico e problematico, outras querem a todo custo achar um amor quando isso acontece de forma natural e não forçada, e esse texto refletiu muito todos os lados, maravilhoso 👏🏽👏🏽👏🏽